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Sidney Klajner

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Transparência: um antídoto aos conflitos de interesses

Organizações de todos os setores estão sob o escrutínio cada vez mais rigoroso dos consumidores em relação aos princípios e práticas de compliance. A área de saúde não é exceção. Elevados padrões éticos fazem parte da estratégia para assegurar qualidade e segurança da assistência prestada aos pacientes, que são o centro do cuidado

Dia do Médico

Nenhum setor de atividade está dispensado de adotar práticas baseadas na ética. Mas na saúde, uma área que cuida da vida, ética tem de estar no coração das organizações | Foto: Getty Images

As pessoas estão cada vez mais vigilantes em relação aos produtos e serviços que consomem. Querem, sim, saber se atendem às suas necessidades, exigências e preferências. Mas também buscam entender a conduta das organizações responsáveis pelos bens ou serviços ofertados. Em resumo, compliance e valores éticos também pesam na tomada de decisão do consumidor. Nos mais diversos mercados, vemos organizações que adotam e se beneficiam de suas boas práticas. E também temos algumas que se desviam do bom caminho e veem sua reputação manchada, seus produtos encalhados nas prateleiras, seus estabelecimentos esvaziados de público, seu valor de mercado despencando.

Nenhum setor de atividade está dispensado de adotar práticas baseadas na ética. Mas na saúde, uma área que cuida da vida, ética tem de estar no coração das organizações e dos seus profissionais. Precisa permear todos os relacionamentos e estar presente tanto nas grandes decisões como nas ações de rotina, sendo que todas devem convergir em benefícios para o paciente.

Incorporação de novos equipamentos ou tecnologias sem avaliação de seus efetivos benefícios, uso questionável de próteses e órteses, prescrição indiscriminada de determinados medicamentos, internações e cirurgias desnecessárias são alguns exemplos de comportamentos que passam ao largo da ética.

Foi com o objetivo de reforçar a segurança do paciente e garantir as melhores práticas assistenciais, sem desperdícios ou overuse, que o Einstein implantou em 2021 o Programa de Gestão da Pertinência do Cuidado, com protocolos avançados a serem seguidos. Um estudo avaliando casos antes e depois da adoção do programa mostrou que ele zerou os números de 22% de cirurgias de endometriose (todas estas desnecessárias) e de 13% de procedimentos para retirada da vesícula biliar (colecistectomia), com uma economia estimada de R$ 2,2 milhões. A ação gerou um artigo publicado no British Journal of Medicine.

O próprio modelo de remuneração que prevalece hoje na saúde suplementar no nosso país pode abrir portas para caminhos indesejados, porque remunera melhor a doença, o abuso na utilização dos recursos, os exames e procedimentos nem sempre necessários ou aqueles mais caros só pelo valor monetário e não porque trarão mais benefícios ao paciente, no seu tratamento. O ‘cadeado’ para fechar essas portas é um modelo de remuneração baseado no conceito de valor em saúde, que leva em conta a relação entre desfecho e custos. É o modelo que o Einstein adota e defende, porque considera o que é melhor para o paciente, sem desperdícios.

Independentemente de modelos de remuneração (é possível ser ético em qualquer um deles), desvios de comportamentos por influências indevidas ou interesses particulares oneram os sistemas de saúde e não entregam valor aos pacientes. Ao contrário, muitas vezes podem até prejudicá-los.

Em um relacionamento baseado em princípios éticos, o profissional deve lançar mão dos recursos que, comprovadamente, beneficiem o paciente e, no caso de tecnologias equivalentes, sempre priorizar a alternativa de menor custo e risco. E a organização de saúde onde os profissionais atuam precisa não apenas ter regras, protocolos e políticas claras nesse sentido, mas, sobretudo, criar uma cultura corporativa alinhada com esses princípios. É um processo que começa pelo compromisso da organização e de suas lideranças e se desdobra para colaboradores de todas as áreas por meio de campanhas, treinamentos e exemplos das práticas éticas nas pequenas e grandes decisões tomadas no dia a dia. Sem isso, o mais robusto manual de ética e compliance será letra morta.

A transparência é um ingrediente essencial em relacionamentos éticos. Por exemplo, a participação de médicos e hospitais em protocolos de pesquisa clínica ou no desenvolvimento de novos medicamentos, equipamentos e tecnologias é absolutamente normal. É um relacionamento com a indústria impulsionador de progressos. Mas isso tem de ser feito sob critérios pré-estabelecidos e com barreiras para evitar influências indevidas (ainda que inconscientemente ou sem más intenções) na tomada de decisões, sendo a transparência e o “disclosure” peças fundamentais. No Einstein, por exemplo, os médicos preenchem anualmente uma Declaração de Apoios e Vínculos, informando vínculos próprios ou de familiares com organizações cujos serviços ou produtos são ou podem ser contratados pela instituição, bem como o recebimento de apoios financeiros. Se há risco potencial de conflito de interesses, o profissional simplesmente não pode participar da tomada de decisões. Também há regras claras sobre a oferta/recebimento de brindes e hospitalidades (como transporte, alimentação, hospedagem e inscrições em eventos), com a definição de parâmetros a serem seguidos, sempre considerando proporcionalidade e razoabilidade, de forma que não sejam capazes de influenciar decisões profissionais ou comerciais.

O paciente também pode contribuir para alimentar um relacionamento ético com os profissionais e organizações que escolhe para cuidar de sua saúde, participando ativamente das decisões, buscando clareza e transparência nas informações, entendendo os prós e contras das alternativas de cuidado propostas e, em caso de dúvida, procurando uma segunda opinião.

Tem uma frase inspirada na obra do médico e filósofo Albert Schweitzer, Nobel da Paz em 1952, que diz que “a verdadeira ética é um respeito e uma homenagem à vida”. É essa ética que tem de ser exercida por todos – e com dedicação ainda para intensa pelos profissionais e organizações que têm a nobre missão de cuidar da vida.


Sidney Klajner é Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein.

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