O jogo geopolítico global não se vence com retórica, e muito menos com ressentimento. Vence-se com estratégia, pragmatismo e disposição para jogar conforme as regras do mundo real. A iminente tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos ao Brasil, com início previsto para 1º de agosto de 2025, é mais do que uma medida econômica, é um lance claro em uma partida em que o Brasil insiste em não aprender a jogar.
Na lógica da teoria dos jogos, estamos diante de um típico jogo do ultimato. Os EUA fazem uma proposta: reduzam subsídios e abram mercados estratégicos, ou pagarão o preço. É um jogo de soma não nula, no qual o resultado ideal não é a vitória absoluta de um lado, mas um equilíbrio, o chamado equilíbrio de Nash. Ao apostar mais na retórica, o Brasil se comporta como o jogador que prefere perder tudo a fazer concessões, mesmo quando há margem de manobra, principalmente pela pauta comercial.
Tomemos o exemplo da Embraer. A empresa leu o tabuleiro com clareza: ao produzir em solo americano, criou empregos locais, ganhou respeito institucional e garantiu acesso a contratos no maior mercado de aviação do mundo. Jogou conforme as regras americanas e, em troca, conquistou espaço geoeconômico. A Embraer entendeu que, no jogo da interdependência global, ganhar é muitas vezes saber ceder de forma calculada.
O governo brasileiro, por outro lado, tem insistido em um jogo de resistência. Desafia o país que financia parte expressiva do déficit comercial brasileiro e acredita que notas de repúdio na OMC substituem acordos bilaterais. Esse tipo de comportamento se encaixa no conceito de jogo de sinalização ineficaz, onde o sinal enviado (neste caso, retóricas de campanha eleitoral) não altera a estratégia do outro jogador, apenas o distancia.
Enquanto União Europeia e Japão negociam com inteligência, abrindo mercados aqui nos Estados Unidos, e protegendo setores localmente, o Brasil adota uma postura de trincheira. Fica fora das cadeias globais de valor, fecha portas e insiste em discursos ideológicos que não geram contratos, superávits ou investimentos.
Sinais de que os aspectos ideológicos pouco ou nada importam nesse momento para as negociações comerciais com os Estados Unidos estão presentes. O Vietnã, com um governo de esquerda, se mobilizou para negociar de forma profissional e pragmática com o governo Trump. O Brasil, com um governo que se coloca mais à esquerda, tem justamente no setor privado e no empresariado americanos os seus maiores aliados até o momento.
Já a United Auto Workers (UAW, na sigla em Inglês), equivalente ao sindicato dos metalúrgicos no Brasil, que pelas lentes ideológicas seria um possível aliado das demandas de um governo brasileiro de esquerda, apóia de forma enfática a política de tarifas do atual presidente americano, mais interessada em defender os empregos americanos e as pautas de sua imensa base de filiados nos EUA.
Com exportações e importações representando pouco mais de 20% do PIB, o Brasil continua sendo um dos países comercialmente mais fechados do mundo. Isso não é soberania, é isolamento. Em teoria dos jogos, é como se o Brasil estivesse num jogo cooperativo e decidisse jogar sozinho. Resultado: perde influência, relevância, receitas e empregos.
Muito antes do atual governo, os EUA, há tempos, sinalizam que existe espaço para negociação no campo comercial com o Brasil em áreas como etanol, milho, energia limpa, tecnologia. No anúncio do tarifaço em abril o Brasil erroneamente acreditou que estaria de bom tamanho os 10% de compensação comercial anunciados e que, em tese, o país estaria voando abaixo do radar, em uma certa zona de segurança. Uma leitura que se mostrou equivocada. A questão não era saber se haveria endurecimento no jogo, mas quando. E o bom senso prega que nesses casos, planos e estratégias para enfrentar os desafios e praticar o controle de danos já deveriam estar prontas.
Uma estratégia bem colocada pelo poder Executivo do Brasil focada em pautas comerciais, é o que de fato lhe compete, poderia, desde o início, em 9 de julho, ter diminuído em muito o ruído causado pela outra demanda americana, relacionada ao ambiente político interno (Bolsonaro) e de competência do outro poder, o Judiciário.
Mas é preciso jogar de fato. Com estratégia, com cálculo. Não com indignação vazia. Os EUA não se colocam no momento também como um bom jogador/negociador. Mas são um ator com muito peso, e concordemos ou não, estão sempre mais próximos de alcançar seus objetivos em parte ou em todo do que os demais competidores. Não é coincidência que raríssimos aliados no comércio global se dispuseram a vocalizar uma defesa mais contundente das posições brasileiras.
No fundo, todos sabem como é negociar com o protecionismo brasileiro de sempre e não querem fechar portas a seus produtos e serviços no maior mercado consumidor em nível global.
Em um mundo que se organiza em torno de acesso a mercados, seguimos presos à retórica. Perdendo espaço. Perdendo tempo. E perdendo relevância. O jogo está posto. O cronômetro corre. E o Brasil parece ainda perdido e não trouxe nem as peças e nem o tabuleiro.