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Sidney Klajner

Sidney Klajner

Saúde mental nas organizações: a muralha dos estigmas

Número de afastamentos por transtornos mentais cresceu quase 70% entre 2023 e 2024. O dado mostra o tamanho do desafio que as organizações têm pela frente

saúde mental nas empresas

Desafio das empresas é criar uma cultura corporativa de saúde mental, a começar pela superação dos estigmas | Getty Images

Embora o tema saúde mental tenha ganhado uma atenção maior nos últimos anos, principalmente depois da pandemia, o fato é que uma parcela das pessoas ainda tem uma visão distorcida que faz com que discriminem indivíduos passando por transtorno mental e os julguem como seres inferiores ou menos capazes. Depressão pode ser associada à preguiça, falta de ocupação ou simplesmente `frescura`; dependência de álcool ou drogas pode ser entendida como fraqueza de caráter ou malandragem; a ansiedade, como um comportamento de gente impaciente e assim por diante. É como se fossem escolhas pessoais e não transtornos que precisam de atenção, apoio e tratamento.

A estigmatização dos transtornos mentais existe na sociedade em geral e as organizações fazem parte desse universo. Se um colaborador chega com o braço na tipoia porque sofreu uma fratura, provavelmente receberá logo uma cadeira mais adequada e o apoio dos colegas. Já alguém com depressão poderá ser afastado ou até deixar de receber determinadas atribuições ou uma promoção por ser julgado como incapaz.

Ao lado do estigma social pode se somar o estigma internalizado, que é quando o indivíduo passa a acreditar no que a sociedade diz dele. Julga, por exemplo, que é mesmo menos habilidoso e não alguém com depressão. Não se enxerga como alguém doente e, assim, não vai buscar apoio nem cuidados médicos. De acordo com o psiquiatra Luiz Zoldan, gerente médico de Saúde Mental do Einstein, estudos mostram que o estigma atrasa em até 10 anos o diagnóstico e tratamento adequado dos transtornos mentais.

Estigmas não desaparecem por decreto nem por normas internas da empresa. Combatê-los envolve educação, campanhas de mobilização e convívio com as pessoas afetadas.

Ajudar a derrubar essas barreiras é parte do esforço necessário para reverter a crescente incidência de transtornos mentais. Uma face da gravidade desse cenário pode ser observada nos dados do Ministério da Previdência: em 2024, foram registrados mais de 472 mil afastamentos por transtornos mentais, um aumento de 68% em relação ao ano anterior. Frente a esse quadro, o Ministério do Trabalho promoveu uma atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR 1), que passou a incluir os fatores de risco psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos das empresas e entra em vigor em maio deste ano. É uma iniciativa que deve contribuir para minimizar o estigma, porque passa a considerar fatores emocionais como algo importante para o trabalho, e estimular as companhias a olharem para dentro de seu universo a fim de desenvolver planos de mitigação de riscos.

Isso significa contemplar problemas estruturais de algumas organizações e da nossa sociedade, como assédio moral e sexual, machismo, discriminação das populações minorizadas etc., até aspectos como falta de clareza das funções e responsabilidades de cada profissional e estabelecimento de metas inatingíveis, entre muitos outros.

O primeiro passo é conhecer os impactos. Pesquisas de clima, de perfil da saúde populacional, de estresse ocupacional são importantes. Mas é preciso ir além, ouvir as pessoas para tentar categorizar as “dores” e criar soluções. Isso pode ser feito por meio de rodas de conversas e grupos focais bem-estruturados, para que não se tornem apenas um espaço de lamentações.

Os passos seguintes são quebrar o silêncio, promover campanhas antiestigma e investir em educação, mostrando que transtornos mentais precisam de tanto cuidado quanto qualquer doença física; e em treinamentos de escuta empática, comunicação não violenta, segurança psicológica e outros soft skills fundamentais para construir uma cultura de saúde mental e bem-estar. Tudo isso, além de oferecer acesso a cuidados médicos e multiprofissional especializados.

Como observa o Dr. Zoldan, disponibilizar sessões de quick massage, áreas com jogos ou videogame, salas de descompressão e outras iniciativas do gênero podem ser úteis, mas não mudarão a realidade, pois não mexem nos fatores de risco. Ele brinca dizendo que podem funcionar como um “ofurô corporativo” – ajudam a relaxar/descomprimir, mas os fatores de estresse e compressão continuam lá.

A saúde (mental e física), o cuidado dos colaboradores, tem de estar na pauta estratégica das empresas. Afinal, organizações são feitas de pessoas e são estas que fazem acontecer. Profissionais saudáveis produzem resultados saudáveis, alimentam a saúde da corporação.

Eu costumo dizer que o S do ESG é também o S da Saúde. Mas o G, que diz respeito à Governança corporativa, também tem de ser aplicado à Governança da Saúde.


Sidney Klajner é Cirurgião do Aparelho Digestivo e Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Possui graduação, residência e mestrado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de ser fellow of American College of Surgeons. É coordenador da pós-graduação em Coloproctologia e professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Einstein.

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