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Ilton Caldeira

O jogo de adivinhação de Trump

A incerteza econômica criada pelas medidas e ameaças tarifárias do governo de Donald Trump alimentam expectativas de inflação e minam a credibilidade dos Estados Unidos

Navio cargueiro

Falta de clareza e comportamentos erráticos de Donald Trump minam a credibilidade dos  EUA nas negociações comerciais e também nas relações externas | Foto: Getty Images

Cerca de um mês após o retorno de Donald Trump ao Salão Oval, na Casa Branca, a pauta econômica se resumiu, até aqui, em uma palavra: tarifas. Trump começou anunciando tarifas de 25% contra todos os produtos fabricados no México e no Canadá, (exceto energia, no caso canadense), e de 10% à China, além das que já estavam em vigor sobre produtos chineses. Logo em seguida, anunciou tarifas de 25% sobre aço e alumínio importados. 

E, por fim, pelo menos até o momento, em meados de Fevereiro, determinou que os EUA passassem a impor tarifas recíprocas a todos os seus parceiros comerciais. O memorando da Casa Branca que justifica a nova política cita, como um dos exemplos do que foi classificado como injustiça tarifária, o Brasil e as tarifas de 18% cobradas sobre o etanol americano. O documento menciona que o etanol brasileiro entra nos EUA com tarifa de 2,5%. 

Tudo isso vem sendo defendido como uma reação necessária para resolver os históricos déficits dos Estados Unidos com seus parceiros comerciais. O déficit comercial dos Estados Unidos é sim um problema genuíno, mas não há evidências econômicas sérias sustentando o argumento de que o tratamento tarifário seria a melhor maneira de equalizar o tema.

O grande volume de ordens executivas focadas no comércio não devem produzir, no curto prazo, mudanças significativas para  gerar o equilíbrio da política comercial dos EUA. Mas elas têm o poder de imprimir um outro custo, fruto da incerteza econômica criada pelas medidas e as ameaças tarifárias verbalizadas dia sim outro também. 

Incertezas sobre custos comerciais futuros contribuem, em muito, para as expectativas de inflação. E as expectativas de inflação, por sua vez, podem se concretizar em inflação futura real. Além disso, ameaças repetidas exaustivamente, falta de clareza e comportamentos erráticos minam a credibilidade dos  Estados Unidos como formuladores de políticas não apenas em negociações comerciais, mas nas relações externas como um todo, desestabilizando o soft power que os Estados Unidos desfrutam com ganhos significativos em todo o mundo.

Uma breve consulta à História econômica dos Estados Unidos, e seu passado com medidas tarifárias, mostra como o mecanismo é incerto e foge ao controle do que de fato se imaginava inicialmente como sendo uma solução com riscos controlados.

A primeira tentativa abrangente foi a aprovação pelo  Congresso Americano, em 1930, da Tarifa Smoot-Hawley, elevando as taxas de importação sobre mais de 20 mil produtos estrangeiros com o objetivo de proteger a indústria e a agricultura americanas. No entanto, a resposta internacional foi severa, com vários países, incluindo Canadá, Reino Unido e França, retaliando e reduzindo suas compras de produtos americanos. O efeito foi um colapso do comércio global, agravando a Grande Depressão.

Nos anos 1980, os EUA entraram em uma nova guerra tarifária, desta vez contra o Japão, que dominava setores como automóveis e eletrônicos. Para conter o crescimento japonês, Washington impôs barreiras comerciais e exigiu a valorização do iene no Acordo Plaza (1985). Diferente da década de 1930, o dólar passou por uma desvalorização programada, facilitando as exportações americanas. Os juros, que haviam sido elevados no início da década para conter a inflação herdada dos anos 1970, começaram a cair gradualmente após 1985. Embora as tarifas tenham aumentado o preço de alguns produtos importados para os consumidores americanos, a inflação permaneceu sob controle devido à política monetária vigilante e restritiva do Federal Reserve. 

No início dos anos 2000, o governo Bush impôs tarifas sobre aço e alumínio para proteger a indústria siderúrgica americana. A União Europeia e outros parceiros comerciais, incluindo o Brasil, retaliaram, e a Organização Mundial do Comércio (OMC) considerou as tarifas ilegais. Os EUA retiraram as tarifas em 2003 para evitar novas sanções. O impacto econômico foi pequeno, mas gerou tensões diplomáticas.

Naquele período, o dólar já estava enfraquecido devido ao déficit fiscal e comercial dos EUA. As tarifas contribuíram para essa tendência, reduzindo o fluxo de comércio. Como a economia ainda se recuperava da bolha da internet, o Federal Reserve manteve juros baixos, minimizando impactos negativos e com efeitos inflacionários moderados, concentrados apenas em alguns setores da economia.

Sob o primeiro governo Trump, foram aplicadas tarifas de bilhões de dólares em produtos chineses. A China retaliou, afetando especialmente os agricultores americanos. Inicialmente, o dólar se fortaleceu, pois investidores buscaram segurança diante da incerteza econômica global. A inflação foi pressionada para cima devido ao aumento do custo de importação de bens chineses. Muitos produtos eletrônicos e agrícolas sofreram aumento de preços, mas a desaceleração do comércio global ajudou a conter uma inflação mais agressiva.

A História mostra que o protecionismo excessivo pode ter consequências adversas, podendo gerar algum ganho de curto prazo em poucos setores. Mas torna o equilíbrio entre livre comércio e defesa econômica um desafio constante para quem o pratica. Em um mundo desenhado e influenciado em grande medida pelos Estados Unidos no pós-guerra, onde a rede de alianças, regras claras para transações comerciais e a diplomacia são pontos essenciais para manter as engrenagens ativas, transformar esse intrincado xadrez em uma disputa simplista de cara ou coroa incorre em uma aposta de altíssimo risco sem muitas camadas de proteção.

O próximo passo faz parte de um jogo de adivinhação, difícil de ser decifrado.


Ilton Caldeira é jornalista de Economia e Política e especialista em Relações Internacionais pela FGV-SP. Nos Estados Unidos é Head de Comunicação da Dell’Ome Law Firm e sócio da consultoria Smart Planning Advisers.

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