Investimento é indispensável para manter mercado de trabalho aquecido
Fortalecimento da confiança dos agentes econômicos e investimento privado é indispensável para manter a dinâmica dos mercados de trabalho, avalia o Banco Safra
11/07/2024
Segundo análise dos especialistas do Banco Safra, o mercado de trabalho brasileiro passa por uma boa fase, com queda do desemprego e aumento do rendimento real | Foto: Getty Images
Parte do crescimento vigoroso do rendimento real médio dos trabalhadores brasileiros pode ser explicado pelo efeito composição do nível educacional da população ocupada. A fração dos indivíduos com ensino médio e superior completo na força de trabalho aumentou 1,3% entre o primeiro trimestre de 2023 e o primeiro trimestre de 2024.
Segundo análise dos especialistas do Banco Safra, o mercado de trabalho brasileiro passa por uma boa fase, com queda do desemprego e aumento do rendimento real. Esse aumento não parece por enquanto forçar um processo inflacionário, mas o fortalecimento da confiança e do investimento privado é indispensável para manter a boa dinâmica do mercado de trabalho nos próximos meses, destaca o relatório semanal de macroeconomia do Safra.
Saiba mais
- Investimentos atrelados à inflação ganham destaque
- Reforma tributária: o que muda com a simplificação dos impostos
- Análise: a reforma tributária faz diferença?
Dado que a média de rendimentos daqueles com educação superior é três vezes maior do que aquela das pessoas com ensino fundamental, então o aumento do peso dos indivíduos com ensino superior (de 22,9% para 23,8%) faz com o rendimento médio total cresça acima do crescimento do rendimento médio dos trabalhadores com cada nível educacional.
Além disso, é interessante notar que o rendimento dos trabalhadores com ensino médio e superior está crescendo mais rápido do que aquele das pessoas com apenas fundamental, refletindo provavelmente o melhor aproveitamento da produtividade potencial dos mais educados em uma economia em expansão.
Mantendo a composição educacional do primeiro trimestre de 2023, os rendimentos dos trabalhadores brasileiros teriam subido somente 3,0% no período, de forma que podemos atribuir cerca de 1,0% do crescimento dos salários ao efeito composição.
O resultado acima sugere um crescimento um pouco mais forte e distinto daquele que emerge da estratificação da variação de rendimentos pelo seu nível inicial. Nessa estratificação, as pessoas com salário perto do salário mínimo (faixa 2) são as que apresentam maior aumento de rendimento entre 2023 e 2024, refletindo em parte o aumento do salário mínimo 3,0% acima da inflação, conforme a nova política de reajuste salarial.
Nessa estratificação observa-se mesmo que a variação do rendimento diminui com o valor do rendimento inicial, chegando a ser negativa para as pessoas com maior rendimento inicial, apesar de essas serem tipicamente os mais educados. Evidentemente, admitindo-se essa estratificação, o crescimento real do rendimento médio deveria ficar bem abaixo de 3,0%.
Dada a ambiguidade que pesquisas de mercado de trabalho comumente apresentam, vale a pena olhar outras métricas do mercado de trabalho. Os dados do Novo Caged, divulgados pelo ministério do trabalho, nos informam sobre os contratos de trabalho formais, sem a subjetividade que muitas vezes permeia as pesquisas.
O crescimento real ano contra ano dos salários dos novos admitidos no primeiro trimestre de 2024 foi de 1,8% em média. Esse crescimento, em uma economia que está crescendo e em que a nível médio de educação sobe, tende a ser maior do que o crescimento total dos salários, sugerindo um crescimento um pouco abaixo do crescimento do PIB, i.e., deixando parte dos ganhos do crescimento econômico para outros fatores, como o capital.
Os dados do salariômetro da FIPE, que mede os reajustes medianos em negociações coletivas nos últimos 12 meses, também apontam para um crescimento mais moderado dos salários, abaixo de 2,0% real nos primeiros meses de 2024. Por ouro lado, o salariômetro e a PNAD sugerem uma aceleração do rendimento real no segundo trimestre de 2024, notadamente em maio.
A aceleração do Salariômetro em maio parece, no entanto, se dever mais a um fenômeno desinflacionário do que a uma aceleração dos reajustes nominais. De fato, o índice de reajustes nominais nessas negociações tem ficado em 5,0% em quase todos os meses (exceção de abril 2024) e o salto da média de aumento real de 1,3% do primeiro trimestre para 1,8% em maio parece se dar essencialmente pela mudança do deflator, que passou de 3,8% para 3,2% do primeiro trimestre para maio.
O papel do deflator parece bastante relevante na avaliação da dinâmica do rendimento médio real. Tipicamente, ajustes salariais são adaptativos, olham para trás. Assim, é de se esperar que, mesmo com a economia se expandindo, os ajustes nominais do salariômetro comecem a se aproximar da variação anual do INCC, vindo para abaixo de 4%, a não ser que as recentes flutuações do câmbio impactem as futuras negociações, ou a economia comece a dar outros sinais de superaquecimento—o que ainda não é evidente.
O IBGE não disponibiliza nas apresentações mensais da PNAD a variação nominal do rendimento médio por tipo de relação de trabalho, disponibilizando apenas a variação real, com uso de deflator próprio.
Levando-se isso em conta é interessante observar que a variação do rendimento daqueles com carteira assinada é grosso modo compatível com a informação do CAGED, na faixa de 2,5% no primeiro trimestre, ou seja, um pouco abaixo do aumento real do salário mínimo (vimos que a PNAD indica que os níveis de rendimento dos indivíduos de renda média e alta cresceram menos que os 3% do salário mínimo).
Houve em abril e maio um aumento bem mais significativo dos rendimentos reais do trabalhador com carteira, que, a exemplo do salariômetro, pode estar refletindo a contribuição da queda da inflação para o aumento do poder de compra dos empregados, para ajustes nominais com alguma inércia.
Como observado no Semanal Safra de 15 de abril de 2024, o rendimento real do empregado sem carteira tem aumentado fortemente, o que era explicado ali como um efeito de composição decorrente do aumento de novos arranjos de trabalho para pessoas de maior nível educacional (contrato de serviço de pessoa física), que não envolvem carteira de trabalho, ainda que não tenham a mesma conotação do trabalho “informal” tradicional.
Note-se também que o aumento real tem sido importante entre empregadores e empregados por conta própria, cuja jornada de trabalho reflete em grande parte o estado da economia em dado momento. Assim, esse aumento pode refletir apenas mais horas trabalhadas. No último grupo, o efeito do aumento do nível médio de educação também pode ser relevante.
Finalmente, no setor público o aumento em meses recentes reflete em grande parte o reajuste dado no meio de 2023, após o período de congelamento durante a pandemia, o que deve se traduzir em um arrefecimento no segundo semestre, visto que não houve novo aumento generalizado do funcionalismo federal em 2024 (e há poucas evidências de grandes aumentos nos níveis subnacionais).
O fenômeno da desinflação também parece estar impactando os aumentos reais quando se decompõe a economia em setores. Talvez a se destacar um setor com aumento frequentemente acima da média seja o da indústria. A indústria, especialmente a de transformação, tem se recuperado um pouco nos últimos trimestres e não seria surpresa que ao fazer novas contratações o rendimento médio do setor tenha tido um impulso adicional.
A política do salário mínimo e a desinflação que se tem experimentado nos últimos 12 meses também têm se refletido no deslocamento das famílias entre faixas de rendimento salarial. Ajustando o rendimento médio pelo IPCA, verifica-se assim que a proporção de famílias nos grupos de renda de trabalho mais baixa tem caído, em favor daqueles com uma renda do trabalho mais alta, dado que o salário mínimo tem crescido mais que a inflação e a desinflação e a expansão da economia estimulam algum aumento real dos salários.
Houve aumento, por outro, na proporção de famílias com rendimento do trabalho nulo (faixa 1), o que é compatível com o aumento do valor e abrangência dos benefícios e transferências de rendas para as famílias e possível saída do mercado do trabalho ou aumento do rendimento para transitar-se para a condição de ocupado com renda de trabalho.
Mercado de trabalho aquecido depende de investimentos
Em suma, o mercado de trabalho brasileiro passa por uma boa fase, com queda do desemprego e aumento do rendimento real. Esse aumento não parece por enquanto forçar um processo inflacionário, especialmente quando se consideram vários aspectos do aparente crescimento real do rendimento do trabalho entre alguns setores e grupos de trabalhadores.
Mas, continua merecendo atenção o crescimento real da massa agregada que não pode se manter no médio prazo muito acima do crescimento do PIB, com a queda de produtividade do trabalho associada.
A brecha entre crescimento real dos rendimentos do trabalho e do PIB é de particular interesse em um momento em que o PIB pode se desacelerar na esteira de uma contração fiscal programada para a segunda metade de 2024 e possivelmente para boa parte de 2025, salvo se o investimento privado tiver um aumento.
O fortalecimento da confiança dos agentes econômicos para estimular o investimento privado é, portanto, indispensável para manter a boa dinâmica dos mercados de trabalho nos próximos 12 meses, especialmente em vista da menor latitude da autoridade monetária em face às incertezas da geopolítica mundial, não obstante os sinais positivos que se colhem a respeito do avanço da desinflação nos EUA e sua convergência para a meta do Fed.