Copom tem folga para retomar corte de juros se incerteza global diminuir
Análise do Banco Safra indica cenário favorável para o crescimento da economia brasileira sem risco de superaquecimento da demanda
14/06/2024
Banco Central utiliza uma série de hipóteses para sua projeção de inflação | Foto: Agência Brasil
Apesar da atual turbulência no preço dos ativos financeiros brasileiros, a economia brasileira tem tido um desempenho relativamente forte e equilibrado nos últimos trimestres, segundo avaliação do time de macroeconomia do Banco Safra. As contas externas continuam saudáveis, sem riscos imediatos, segundo a análise.
A balança comercial acumulou superávit de US$ 100 bilhões nos últimos doze meses, com aumento relevante das exportações de commodities agrícolas e energéticas. Isso tem fortalecido o fluxo cambial comercial, que teve ingresso líquido de US$ 37 bilhões acumulado nesse ano, superior aos US$ 26 bilhões do mesmo período do ano passado.
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A atividade econômica esse ano se traduziu no crescimento de 0,8% do PIB no primeiro trimestre, com a inflação acumulada dos cinco primeiros meses em 2,3% (ou 1,7% com ajuste sazonal) e o desempenho fiscal alinhado com as previsões do mercado.
O cenário mais incerto dos dois últimos meses, a partir do momento em que ficou claro que o Federal Reserve não teria pressa em baixar a taxa de juros americana, diminuiu o apetite de investidores domésticos e internacionais pelos ativos brasileiros.
O fluxo cambial financeiro, por exemplo, apresentou saída líquida de US$ 25 bihões nesse ano, superior à saída de US$ 13 bilhões do ano passado. Parte do aumento da saída financeira pode ser atribuída ao menor diferencial da taxa de juros, mas essa rápida expansão se deve também ao crescente envio de divisas ao exterior por agentes especializados, refletindo operações com criptoativos e apostas e jogos on-line.
O fluxo cambial total registrou ingresso líquido de US$ 12 bi nesse ano, praticamente idêntico aos US$ 13 bi do mesmo período do ano passado. Ou seja, as contas externas seguem positivas, sem causarem prima facie pressões no câmbio. Não obstante, o câmbio desvalorizou 7% desde o começo de abril.

A desvalorização da moeda tem implicações para a política monetária. A autoridade monetária não combate os efeitos primários de uma desvalorização cambial, mas seus efeitos secundários. Assim, a política monetária deverá ser calibrada para responder ao eventual impacto da mudança de preços dos ativos brasileiros sobre a inflação projetada para os próximos 18 meses, i.e., o final de 2025.
O impacto da variação do câmbio já deve ser sentido nas projeções divulgadas após a próxima reunião do Copom. O BCB utiliza uma série de hipóteses para sua projeção de inflação e o cenário base que será utilizado no próximo Copom considerará taxa de câmbio de R$ 5,30/US$ (e desvalorização pela paridade do poder de compra nos próximos trimestres), expectativas de inflação do consenso dos economistas e redução da taxa Selic para 10,25% em Dez-24 e 9,25% em Dez-25 incluídas no Relatório Focus.
O cenário base do Copom deve projetar variação do IPCA sobre 12 meses de 4,0% ao final de 2024 e de 3,3% no final de 2025. Um eventual aumento na presunção da taxa de juros real de equilíbrio pode elevar modestamente esses números. Assim, a estimativa ligeiramente acima do centro da meta no horizonte relevante de 2025 e, especialmente, a volatilidade cambial, devem levar o Copom a manter a taxa Selic em 10,50% a.a. na sua reunião de junho.
Cenário não indica risco de alta dos juros
Uma simulação com a taxa Selic permanecendo em 10,50% em todo o horizonte relevante mostra folga no controle da inflação. Esse cenário foi conhecido como cenário de referência antes do BCB começar o último relaxamento monetário. Nesse caso, o modelo do BCB estima IPCA de 3,1% em 2025 e 3,0% em 2026 (Gráfico 12).
Ou seja, a simples manutenção da taxa de juros nos níveis atuais daria conforto para enfrentar as consequências da recente desvalorização cambial sobre a inflação, o que não chega a surpreender, dado que a atual taxa corresponde a uma taxa de juros real de perto de 7% em um país cuja economia não tem sinais de superaquecimento.
Um cenário com a curva de juros atualmente projetada pelo mercado aponta a inflação abaixo da meta, com custo relevante na atividade econômica. O modelo do BCB com a curva de mercado (Selic a 12%) aponta para variação em 12 meses do IPCA de 3,0% em 2025 e de 2,6% em 2026, ou seja, abaixo do centro da meta. Esse cenário corresponde ainda à perda de perto de 1% ao ano de crescimento do PIB em relação ao cenário base.

Os diversos cenários sugerem que o BCB tem folga para retomar os cortes de juros quando a incerteza global diminuir, sem preocupação imediata quanto a um superaquecimento da demanda doméstica. De um lado, a Selic está em terreno restritivo, segundo o próprio BCB. De outro, a dimensão desse espaço pode ser inferida pela melhora da conta corrente nos últimos tempos e pela menor dependência de poupança externa.
A necessidade líquida de financiamento da economia brasileira ficou em apenas 0,6% do PIB nos últimos doze meses, inferior à média histórica de 2,1% do PIB (Gráfico 13). Ou seja, a oferta agregada tem conseguido suprir a crescente demanda doméstica, tornando a economia brasileira menos dependente da poupança externa e afastando a hipótese de que ela esteja superaquecida, o que facilita a queda da inflação, mesmo com juros cadentes.

Portanto, a recente desvalorização cambial deve aumentar as projeções de inflação de curto prazo (ano calendário de 2024). Mas os efeitos secundários dessa desvalorização devem ser limitados, especialmente enquanto a demanda doméstica continuar a não exceder a oferta, conforme estimativas da própria autoridade monetária.
Assim, conquanto a prudência possa aconselhar uma pausa nos cortes de juros e a manutenção da política monetária naquilo que o COPOM chamada de campo restritivo, não há argumentos fortes em favor de qualquer alta na Selic nos próximos meses.